Cap 5. A testemunha


Eu peguei o resultado de alguns exames preliminares do estranho e conversei um pouco a sós com o médico. Ele era de nossa confiança e sendo eu da Policia Federal causava certo medo nas pessoas, o que em certas horas era bem vindo. Segundo o próprio médico o estranho estava em perfeitas condições físicas. Sangue tipo O negativo, deveria entre 30 e 35 anos. Tudo equilibrado. O estranho era perfeitamente saudável, belos pulmões, tinha ótimos reflexos, nenhum problema aparente na visão (o que eu já sabia ¬¬). Contudo, segundo o médico ele tinha muitas marcas no corpo, como se o homem estivesse passado pela guerra ou coisa do gênero e também havia uma tatuagem no abdômen, mais precisamente do lado esquerdo. Nossa! Eu queria ver aquilo!
Retiramos-nos do consultório e fomos ao estacionamento pegar o carro. O outro policial ia colocar o estranho para dentro, quando um carro cantando os pneus invadiu o espaço da pista a frente do estacionamento. Eu mal tive tempo de gritar e tiros alvejaram o carro. Eu tinha sorte daquela Pajero ser blindada. Eu saquei minha arma e tentei olhar pelo vidro, eles atiraram novamente e depois fugiram.  Droga! Novamente alguém tentando matar o estranho. Eu olhei para o chão procurando colocar meus pensamentos em ordem, quando percebi  um pouco de sangue saindo da coxa de um dos policiais. Droga! Peguei o celular e disquei o numero para que trouxessem uma ambulância e reforços.
Dez minutos depois eles apareceram e nós praticamente saímos fugidos de lá, antes que os canais de televisão chegassem mais perto. Passamos por eles na ida, mas não havia nada para ser encontrado.
Eu fiquei bem mais irritada do que já estava, mais mistério envolvendo o estranho e agora eu quase perco um dos nossos homens. Mau sinal. Péssimo sinal.
Dr Humberto estava soltando fogo por todos os lados, bufando e andando de um lado a outro da minha sala há quase 15 minutos, desde que chegamos a Corregedoria e o policial baleado foi levado para fazer a cirurgia. Se ele completasse meia hora fazendo aquilo eu juro que iria enlouquecer.
– Enya quero que me diga o que está acontecendo? Este homem não era o assassino? Como agora além de nem sequer ter atirado na vitima estão tentando matá-lo? Pela segunda vez? – Ele parou um segundo da sua cólera para me dizer isso e voltou a andar de um lado a outro novamente.
– O senhor pode se acalmar por um instante Dr. Humberto?
– Não me peça para ter calma, Enya Mello! Eu quero esse caso resolvido e esse homem no lugar de onde ele veio! – Ele esbravejou e sua peruca balançou em sincronia com o movimento da mão que ele usou para gesticular.
– Isso vai ser resolvido, estou trabalhando pra isso... – Eu tentei aplacar a ira dele mas o pior com certeza ainda estava por vir.
– Ah vai! Eu sei que vai! Enquanto isso eu quero esse... Esse cara... Este homem seja lá quem ele for com proteção 24 horas por dia! E você vai ficar com ele esse tempo, leve-o para o seu apartamento com quantos policiais for preciso, eu o quero com você o tempo todo!
Aquilo não podia ser real!
– Mas Dr. Humberto, eu sou uma investigadora, não uma baba de estranho! Não posso ficar o tempo todo com ele enquanto...
– Você vai fazer exatamente o que eu mandar! – Ele se aproximou da minha mesa batendo nela com força. – Você vai estar com ele, o tempo todo, conheça-o, conviva com ele, descubra tudo que for necessário e limpe esta bagunça antes que ela vá longe de mais e antes que você perca o seu emprego e passe o resto da vida no meio do mato investigando casos de grilheiros!
Eu engoli a seco tudo que ele havia dito e o assisti sair e bater a porta! Pronto, se aquele homem tivesse vindo diretamente do inferno pra acabar com minha vida ele estava começando a conseguir.



Cap 4. Pistas

Eu confesso que estava perdendo a paciência comigo mesma. E pior eu nem sabia por que. Aliás eu sabia, ele os olhos dele e seu mistério estavam começando a me deixar meio sem saída. Eu me sentei novamente e tentei pensar vendo a paisagem, mas nada. Como podia um homem não existir em lugar algum? Como simplesmente não havia digitais? Ou dados sobre ele? Se eu realmente queria sigilo sobre o assunto, eu não poderia jogá-lo na internet ou na TV pra esperar que alguém me dissesse algo. Aquela sucessão de portas se fechando na minha cabeça me deu vontade de chorar. TPM influenciando. Algo vibrando no bolso esquerdo da calça me tirou dos meus pensamentos problemáticos, porque será que sempre quando temos problemas sérios nas mãos e pensamos sobre ele, algo atrapalha o nosso pensamento?
– Tia Nora, como vai? – Atendi e tentei dissimular a minha voz, o que eu sabia que era em vão.
– Querida eu estou ótima! Mas o que há de errado com você? Caso novo eu suponho. Novo e muito mais complicado do que os outros já foram.
Tia Nora era a irmã mais velha da minha mãe, a única na verdade. Nós éramos muito próximas, desde quando eu tinha idade suficiente para saber o que isso significava. Só que depois da tragédia que se abateu na nossa família eu me isolei um pouco. Porém Tia Nora era extremamente jovial, otimista e mística. Sabia e descobria sempre tudo sobre mim, com apenas um olhar ou no caso a voz.
– Eu estou bem tia, realmente um caso novo que esta me tirando do sério... – Eu suspirei no final deixando transparecer todo meu dilema.
– Querida, você é inteligente, forte e nobre como sua mãe era! Sempre pode encontrar as respostas. Eu acredito em você.
Aquilo foi golpe baixo certo? A TPM estava ajudando muito e agora aquelas palavras, tive que pigarrear para responder.
– Tudo bem tia, eu vou resolver tudo.
– Posso passar aí para tomar um chá? – Eu fui obrigada a rir por alguns instantes.
– Olha tia o clima aqui não está dos bons e...
– Não se preocupe coisa de minutos... Aliás, lembrei que tenho que passar na floricultura ver as remessas de margaridas... Comprar adubos, reconstruir algumas plantas que estão sem nenhum traço de que são plantas de verdade. Vemos-nos outro dia querida! Tchau.
– Tcha... – Eu nem tive tempo de responder a ela. Estranho essa ligação da minha tia, geralmente ela demorava horas ao telefone tentando descobrir os últimos acontecimentos da minha obvia vida. E essa historia de reconstruir plantas que estão sem traços, como reconstruir... Claro! Claro! Minha tia! Eu comecei a rir sozinha na sala, como ela sabia?
Levantei tão rápido que quase derrubei objetos na mesa. Peguei meu blazer e o coldre axilar, durante a descida dei dois telefonemas, consegui algo diferente e um carro com dois policiais.
Entrei na cela e ele estava deitado de barriga pra cima.
– Olha eu aqui outra vez, estranho. – Ele se levantou um pouco surpreso com meu tom de voz.
– Bom dia investigadora! Posso saber o motivo de tanta animação?
– Que tal darmos um passeio? Ponha os sapatos. – Eu me virei de costas e já ia sair quando ele me chamou.
– Posso saber ao menos onde vamos? – Eu me virei de sorriso aberto.
– Vamos ao médico, fazer alguns exames de rotina.
Eu contive a vontade de dar uma gargalhada quando o sarcasmo abandonou o seu olhar.


Cap 3 - O pior começo

Era para ser mais um dia calmo na pacata Corregedoria Geral da Policia Federal, eu poderia agora mesmo estar tomando um refrigerante sentada na minha mesa, imaginando como seria o meu fim de semana. Praia? Não... Montanha? Nem pensar... Serra? Sim... Mas era para ser, isso traduz meu estado de humor e não ter dormido bem era só a ponta do iceberg. O assassino “João Ninguém” preso na cela especial no andar de baixo era a minha maior preocupação agora. Já haviam se passado mais de 24 horas desde que o encontramos no apartamento da tal vitima, outro “João Ninguém” que segundo os peritos e minhas investigações preliminares nada havia feito de ilícito. O problema é que não haviam informações sobre o assassino, e quando eu digo informações eu digo informações básicas como: Nome, idade, passado... Ele simplesmente não existia no Brasil e meu sexto sentido me dizia que provavelmente ele não existia em lugar algum. Porém isso não poderia ser possível.
Além desse terrível pressentimento eu estava preocupada com minha carreira, se eu terminasse esse caso com êxito era promoção na certa, mas se não conseguisse eu poderia dar adeus até ao meu cargo. Só que eu não deixaria isso acontecer, “eu já peguei um caso muito pior do que esse vai dar tudo certo, logo, logo este cara ia estar condenado, extraditado ou coisa do gênero”. Eu me convencia disso a cada segundo, em meus pensamentos. Três batidas gentis na porta fizeram meu estomago se contrair.
– Pode entrar.
As visitas incomuns não me animaram em nada, seus semblantes então...
– Agente Enya... – Eu me levantei para cumprimentar o Delegado Bento e a perita Diva que eu havia conhecido na cena do crime. Meu chefe entrou logo depois. Eles se sentaram a minha frente e eu esperei por más noticias.
– Então Diva o que podemos dizer do nosso estranho? – Eu esperei que ela dissesse algo, mas o Delegado Bento a interceptou.
– Agente Enya antes de falarmos sobre o assassino, tem um dado que descobrimos depois do teste feito na arma que encontramos na mão do tal cara, o suposto assassino. – Ok. Vamos por parte, eu disse que o dia estava ruim? E que ele iria piorar quando eles entraram na minha sala. Pois é. Se o delegado Bento pulou a parte do registro do assassino é por que não encontraram nada ainda. E se ele agora diz que existemais um dado certamente isso muda tudo e é claro que tem a ver com a possibilidade do cara ser realmente ou não o assassino. Diabos!
– Eu vou direto ao assunto agente Enya, a arma estava carregada. Completamente carregada, não havia sinais que revelassem que aquela arma fez qualquer disparo naquele dia. Eu conversei com os policiais que foram chamados pela própria vitima no dia do crime antes que ela viesse a óbito. Quando eles chegaram lá o suposto assassino estava com a arma na mão debruçado sobre o defunto. Eles o prenderam e nos chamaram, pois o meliante não falava português. Aparentemente. Os peritos não fizeram uma busca tão apurada no apartamento afinal o que achávamos ser o assassino estava na cena do crime.
Eu absorvi cada palavra que a perita disse e procurei pensar rápido e com clareza. Só que um lado inteiro da minha cabeça doía agora. O que era mais um mau sinal.
– Perita Diva eu gostaria que toda a sua equipe de peritos, os melhores que a senhora tiver sejam levados a cena do crime novamente e façam uma busca de raios-X. Eu preciso de tudo. Enquanto isso preciso que também continuem fazendo buscas sobre o nosso homem. Esse caso é de puro sigilo, não quero especulações da mídia e civis. Eu vou a cela do Sr. Ninguém tenho certeza que consigo tirar algo mais dele.
Dr Bento olhou para a perita Diva e para meu chefe que apenas assentiu sem nada declarar, ele sempre tinha confiança em mim.
Eu me despedi deles e desci as escadas como sempre, detestava elevadores. Quando tive acesso à cela ele estava lá deitado de costas, respiração uniforme, muito tranqüilo para um preso federal.
O policial abriu a cela e se posicionou do lado de fora junto com mais dois, eu peguei a cadeira mais próxima e me sentei perto da saída.
- Guten Tag*, investigadora. – Ele sabia que era eu, deve ter sentido meu perfume ou coisa parecida, definitivamente aquele homem poderia até não ser o assassino, mas ele era extremamente detalhista e perigoso. Ele se virou devagar, ou eu estava em câmera lenta outra vez. Eu vi seus olhos e reparei na sua barba por fazer. Era tudo que eu precisava um assassino galã!
– Só se for pra você, meu dia não começou muito bem... – Eu cruzei os braços tentando disfarçar minhas emoções.
– E o que eu posso fazer para melhorar o seu dia? ­– Sua voz ficou mais suave e grave. Ele estava tentando me seduzir? Aquilo era ridículo!
– A começar pode me dizer quem é você, e por que até agora não chamou um bom advogado para te soltar daqui? – Eu controlei minhas emoções mais uma vez e cerrei os dentes mesmo com a boca fechada.
 – Simples, a senhorita deve saber que minha arma nem sequer foi disparada, o que faz de mim uma testemunha no assassinato.
– Não, isso pode fazer de você um cúmplice. Sabe disso. – Eu fechei a boca e voltei a cerrar os dentes.
– Hummm... Eu prefiro me deitar e esperar as respostas dos peritos e investigadores. As instalações são bem confortáveis na verdade e sua presença me anima apesar da raiva crescente de hoje...
– Ok, já que você espera as respostas da minha equipe é melhor se sentar e não pegar no sono, afinal as respostas serão mais rápidas do que você imagina. Espero te ver preso logo. – Me levantei e puxei a cadeira.
- Ahh detesto te decepcionar Investigadora Enya, mas não se pode prender o que não existe.  E só mais uma coisa, não cerre os dentes, isso faz mal para a arcada dentária. – Tendo dito isso sorriu  com o canto da boca e virou-se novamente.